Elucidação de nova estrutura celular tem participação brasileira

Para quem achava que a ciência do século 21 já sabia tudo sobre a célula, uma notícia surpreendente: acaba de ser descrita a função de uma nova organela, localizada no núcleo celular. Recém-batizada de retículo nucleoplasmático (RN), a estrutura havia sido visualizada em 1997 por um grupo britânico, que a descreveu mas não apontou seu papel nos processos celulares.

O grupo de Maria de Fátima Leite, farmacêutica e bióloga molecular do Depto. de Fisiologia da UFMG, foi que descreveu essa parte inteiramente desconhecida das células humanas, em estudo que teve ampla repercussão internacional.
O complicado nome de retículo nucleoplasmático foi dado à estrutura, ou organela, encontrada no núcleo das células. Se o nome é complicado, seu papel é ainda mais complexo, mas fundamental para o ser humano. Ela regula a leitura do DNA.
O estudo ajudará a decifrar quebra-cabeça do DNA
O retículo nucleoplasmático tem papel-chave em todos os processos básicos do funcionamento do corpo humano. Sua descoberta ajudará cientistas a aplicar o conhecimento gerado pelo deciframento de nosso código genético. A ciência tem em mãos imensa quantidade de informação sobre o DNA mas não sabe ainda interpretá-la. A função da maioria dos genes permanece desconhecida.
'O retículo nucleoplasmático é peça importante para o quebra-cabeças do DNA', diz Maria de Fátima Leite.
Publicado em duas das mais importantes revistas científicas do mundo - a 'Nature Cell Biology' e a 'Proceedings of the National Academy of Sciences' (PNAS) -, o estudo tornou antiquados os livros de biologia, dando às células uma nova estrutura.
Maria de Fátima Leite e um colega da UFMG trabalharam em colaboração com as Universidades americanas de Cornell e de Yale.
'Observamos a estrutura pela primeira vez há dois anos e desde então trabalhamos loucamente para concluir o estudo porque sabíamos que teria um grande impacto', diz ela.
Todas as estruturas celulares que aprendemos na escola, como ribossomos, complexo de Golgi, entre outros, ficam no citoplasma (células são formadas por núcleo e citoplasma). Esta é a primeira estrutura descoberta no núcleo, a área nobre das células, onde está o DNA.
O retículo nucleoplasmático é primo-irmão de uma outra estrutura celular de nome parecido: o retículo endoplasmático. Essas pequenas máquinas do interior de nossas células desempenham papel fundamental em todos os momentos de nossas vidas.
Elas comandam a liberação do cálcio dentro das células. Todo mundo já ouviu falar da importância do cálcio para dentes e ossos. Mas o papel do nutriente vai muito além disso.
O cálcio é um gatilho biológico. Uma vez acionado na hora e na quantidade certas, ele ativa determinadas partes do DNA. O cálcio regula os batimentos do coração, o movimento de braços e pernas, o piscar dos olhos, enfim cada movimento de nossos músculos.
E faz mais. Também está ligado, por exemplo, à liberação dos hormônios, como a insulina, e ao próprio ritmo de vida e morte das células.
Dentro das células, o cálcio fica aprisionado em compartimentos. Até agora se imaginava que cabia ao retículo endoplasmático soltar cálcio quando este fosse necessário.
O estudo da UFMG e das Universidades americanas mostra que o retículo endoplasmático faz isso apenas em parte da célula. No núcleo, onde está o DNA, quem dá as cartas é o recém-descoberto retículo nucleoplasmático.
'Fizemos a descoberta quando estudávamos o papel do cálcio. Como ele poderia regular coisas tão antagônicas quanto a morte e a vida as células? Agora sabemos que isso é possível porque é feito separadamente por diferentes partes das células', diz Maria de Fátima Leite.
Devido à sua importância, o cálcio celular é alvo de imensa gama de remédios, como os recomendados para hipertensão e o tratamento da insuficiência cardíaca, por exemplo.
'Hoje, essas drogas não agem de forma específica e atuam por toda a célula. A descoberta abre caminho para refinar os medicamentos', observa a cientista.
Um exemplo são os remédios para insuficiência cardíaca, que aumentam a força de contração celular. A descoberta mostra que as drogas poderiam ter como alvo apenas o citoplasma.
'Isso as tornaria mais eficazes', diz a pesquisadora.
(O Globo, 8/6)
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