Segundo Antônio Antunes Pinto, os alimentos de origem animal ou vegetal, frescos ou processados, incluindo a água, podem veicular diversos microorganismos patógenos, causadores de diversas perturbações fisiológicas nas pessoas que os consomem, caracterizadas por um conjunto de perturbações gástricas, envolvendo geralmente, vômitos, diarréias, febres e dores abdominais, que podem ocorrer individualmente ou em combinação.
As doenças de origem alimentar podem ser provocadas por diversos grupos de microrganismos, incluindo bactérias, bolores, protozoários e vírus. As bactérias, pela sua diversidade e patogenia, constituem, de longe, o grupo microbiano mais importante e mais vulgarmente associado às doenças transmitidas pelos alimentos.
Em menor escala, os bolores podem também ser responsáveis por doenças alimentares, devido à possibilidade de crescimento de determinadas espécies, capazes de produzir toxinas fúngicas, as micotoxinas, na superfície dos alimentos, nomeadamente, naquelas situações em que as condições de conservação e armazenamento sejam defeituosas.
Dada a menor importância das doenças alimentares provocadas por vírus e protozoários, entendemos não ser relevante, nesta altura, tecer quaisquer considerações.
1 - Ecologia Microbiana dos Alimentos
A capacidade de crescimento e de sobrevivência dos microorganismos patógenos nos alimentos depende não só das características físicas e nutricionais do alimento, como também de um conjunto de fatores extrínsecos e intrínsecos ao próprio alimento, tais como: temperatura, pH, atividade da água e potencial redox, cada um dos quais pode ser manipulado convenientemente, de modo a impedir a contaminação e o crescimento de microrganismos patogênicos.
A maioria dos microrganismos, cuja patogenicidade no homem depende da sua presença, sob a forma viável, nos alimentos, são relativamente sensíveis às altas temperaturas e, por isso, são perfeitamente destruídos pelo cozimento adequado dos alimentos, eventualmente contaminados, ou pelos processos de pasteurização.
Por outro lado, existem outras espécies bacterianas, que produzem esporos altamente resistentes ao calor (endósporos), que podem resistir aos processos normais de cozedura ou de pasteurização e que produzem potentes toxinas nos alimentos, se houver condições favoráveis ao seu crescimento. Estão neste caso algumas espécies dos gêneros Bacillos e Clostridium que provocam intoxicações alimentares, devido à ingestão de alimentos com toxinas pré-formadas (exotoxinas), produzidas e liberadas por aqueles tipos bacterianos.
A temperatura influencia de forma decisiva o crescimento da atividade microbiana nos alimentos. Assim, o Clostridium perfringens pode crescer num intervalo de temperatura compreendido entre os 15º C e os 50º C, pelo que, a conservação de alimentos a temperaturas de refrigeração é suficiente para inibir o crescimento desta espécie causadora de infecções alimentares. As espécies do género Salmonella, responsáveis por importantes infecções veiculadas pelos alimentos, possuem uma temperatura mínima de crescimento de 7º C, o que significa um valor superior às temperaturas de refrigeração comerciais, mas o mesmo poderá não acontecer nos frigoríficos domésticos, pois a conservação de carnes frescas (vermelhas e brancas) por refrigeração de uso doméstico poderá não impedir o crescimento de Salmonella spp. Refira-se que o tempo médio de refrigeração de Salmonella spp. a 10º C é de aproximadamente 10 horas, o que significa que a população destas bactérias pode aumentar 100 vezes em menos de 6 dias. A espécie Staphylococcus aureus e algumas estirpes de Clostridium botulinum não crescem a temperaturas inferiores a 10º C, mas o C. botolinum tipo E pode crescer a temperaturas da ordem dos 4º C.
2 - Infecções alimentares de origem bacteriana
Entende-se por infecção alimentar a doença produzida por bactérias capazes de crescerem no interior do trato gastrointestinal e de onde são capazes de invadir os tecidos ou os fluídos orgânicos do hospedeiro, ou de produzir toxinas (enterotoxinas). As infecções manifestam-se pela invasão das mucosas ou pela produção de enterotoxinas (toxinas que atuam no intestino), de cuja interação se criam condições patológicas que resultam em doença. Os principais géneros e espécies bacterianas envolvidos neste mecanismo são os seguintes:
Escherichia
Este gênero inclui uma única espécie bacteriana, a E. coli, porventura o ser vivo mais estudado e mais conhecido do Homem. Constitui um habitante normal do intestino do Homem e dos outros animais e só em determinadas situações pode causar infecções.
Praticamente todos os alimentos, quer de origem vegetal, quer de origem animal que não tenham sido objetos de processamento, podem veicular a E. coli, desde que, em algum momento, tenham sido sujeitos a poluição fecal. Um dos casos mais alarmantes de infecção alimentar por E. coli ocorreu nos Estados Unidos, nos anos 80, por ingestão de queijo Camembert contaminado.
Sintomas
Os principais e mais frequentes sintomas caracterizam-se pelo aparecimento de diarréias, febre e náuseas que, normalmente, aparecem 6 a 36 horas após a ingestão do alimento contaminado.
Salmonella
O gênero Salmonella inclui várias espécies patogênicas para o homem e outros animais. Tal como a E. coli, este género pertence à família das Enterobacteriaciae e os principais focos de infecção são as fezes humanas e de animais. Nas espécies mais importantes incluem-se o agente da febre tiróide, S.typhi, e as espécies mais associadas às infecções alimentares têm sido identificadas como S. typhimurium, S. enteritidis e S. newport, correspondendo à S. typhimurium a responsabilidade pelos maiores incidentes. Esta última espécie produz uma enterotoxina de natureza lipopolissacarídica com elevado peso molecular. Os alimentos mais susceptíveis à contaminação por Salmonelas são o leite, queijos, chocolates, carnes frescas, nomeadamente, carcaças de aves.
Sintomas
Os sintomas mais frequentes caracterizam-se pelo aparecimento de diarréias, dores abdominais, febre e vômitos. Estes sintomas aparecem, normalmente, entre 12 a 36 horas após ingestão dos alimentos contaminados.
Shigella
O género Shigella, tal como os géneros anteriores, pertence à família das enterobactérias, Gram negativos e anaeróbios facultativos. As espécies deste género são os agentes causais da disenteria bacilar no Homem, tendo-se isolado quatro espécies associadas a esta doença no Homem: S. dysenteriae, S. boydii, S. flexneri e a S. sonnei. Estas espécies são restritas aos humanos, sendo a poluição fecal a sua principal via de contaminação e dispersão.
Sintomas
Os principais sintomas caracterizam-se pelo aparecimento de diarréias, fezes sanguinolentas e com pus. Estes sintomas aparecem, normalmente, entre 1 a 3 dias após a ingestão de alimentos contaminados.
Yersínia
Este género possui as características gerais dos anteriores, pois inclui-se também na Família das Enterobacteriaciae, destacando-se a espécie Y. enterocolitica, como causadora de infecções alimentares por ingestão de alimentos constituídos à base de leite e de carnes brancas. Durante os anos 80, uma infecção alimentar por ingestão de chocolate de leite ocorreu numa Escola dos Estados Unidos, envolvendo mais de 200 crianças.
Sintomas
Os principais sintomas manifestam-se pelo aparecimento de dores abdominais, náuseas, diarréia e vômitos, aparecendo de 16 a 48 horas após a ingestão dos alimentos.
Vibrio
O género Vibrio, da Família das Vibrionaceae inclui duas espécies patogeneas para o Homem, nomeadamente,o V. cholerae, responsável pela cólera, e uma outra espécie halofílica, bem adaptada aos ambientes marinhos, designada por V. parahaemoliticus e associada às infecções alimentares por ingestão de peixe, moluscos e crustáceos contaminados.
Sintomas
Os principais sintomas de infecções provocadas por V. parahaemoliticus são: desidratação provocada por diarréias excessivas, dores abdominais, vômitos e febre. Estes sintomas aparecem normalmente entre 12 a 18 horas após a ingestão dos alimentos contaminados.
Brucella
Este gênero é costituído por pequenos cocobacilos Gram negativos e aeróbios. As três espécies deste gênero com capacidade de produzir doença no Homem e animais são a B. abortus (bovinos), a B. melitensis (caprinos) e a B. suis (suínos). Quaisquer destas três espécies tem capacidade de infectar o Homem, sendo a via preferencial por ingestão de leite e/ou lacticínios (queijos frescos) provenientes de animais infectados, originando a conhecida febre de Malta.
Sintomas
Os principais sintomas caracterizam-se pelo aparecimento de dores musculares generalizadas, cefaléias, calafrios e febre ondulante. Esta doença caracteriza-se pelos longos períodos de incubação que possui, cerca de 5 a 30 dias ou mais.
Clostridium
Este gênero inclui a espécie C. perfringens também conhecida por C. welchii, responsável pela produção de uma enterotoxina de natureza protéica, de elevado peso molecular e sensível ao calor. Possui como habitats preferenciais o solo, sedimentos de águas marinhas ou doces e o intestino de animais e do Homem.
As infecções por Clostridium perfringens estão normalmente associadas com a ingestão de pratos de carne ou frango pré-cozinhados que não sejam adequada e rapidamente refrigerados, permitindo assim a germinação dos esporos que sobrevivam à pré-cozedura. Note-se que esta espécie, após a germinação dos esporos, tem capacidade de crescer a uma temperatura de 45ºC e a pH 7, com um tempo de geração muitíssimo pequeno, da ordem dos 10 minutos. Isto significa que com esta capacidade de crescimento uma só célula pode originar uma população superior a 250.000 células em 3 horas !...
Sintomas
A sintomatologia por infecções de C. perfringens é caracterizada pelo aparecimento de diarréias, dores abdominais e náuseas. Geralmente, não ocorrem vômitos nem febres. Usualmente, estes sintomas iniciam-se entre 8 a 20 horas após a ingestão dos alimentos contaminados.
Compylobacter
Destaca-se, neste gênero, a espécie C. jejuni, como responsável por enterites agudas, numa escala comparável às provocadas pelas salmonelas. Possui como habitats preferenciais o trato intestinal e oral de animais, como ovinos, aves, cães e gatos. As infecções alimentares associadas a esta espécie têm ocorrido pela ingestão de produtos lácteos
Sintomas
Os principais sintomas manifestam-se por gastrenterites agudas e diarréias, aparecendo normalmente 2 a 10 dias após a ingestão dos alimentos.
Listeria
De grande importância em termos de saúde pública, encontra-se neste género a espécie Listeria monocytogenes, causadora de importantes infecções (listerioses), quer nos humanos quer noutros animais.
Encontra-se largamente distribuída na natureza, com particular incidência na matéria orgânica em decomposição. As infecções por L. monocytogenes encontram-se normalmente associadas a carnes frescas, em particular carne de porco e frango, ao leite crú ou deficientemente pasteurizado.
Sintomas
A sintomatologia é muito parecida com o quadro patológico da meningite, podendo provocar abortos em grávidas infectadas por esta espécie bacteriana. O aparecimento dos sintomas após a ingestão do alimento contaminado é muito variável e ocorre com particular incidência nos recém-nascidos e nos idosos.
3 - Intoxicações Alimentares de Origem Bacteriana
Por intoxicação alimentar entende-se o estado patológico provocado pela ingestão de alimentos contaminados por toxinas (exotoxinas), produzidas por microrganismos, como resultado do seu crescimento nos alimentos. São três as espécies bacterianas associadas às intoxicações alimentares, que passamos a descrever:
Clostridium botulinum
O C. botulinum é responsável pela doença conhecida pelo botulismo, intoxicação alimentar grave e, eventualmente, fatal, que afeta o homem causando perturbações neuroparalíticas. Esta espécie produz potentes toxinas de elevado peso molecular e termorresistentes. Estas toxinas apenas são destruídas pelo aquecimento a 80º C, durante 30 minutos ou a 100º C, durante 10 minutos. Conhecem-se sete toxinas botulínicas diferentes, classificadas de A a G, de acordo com a sua natureza antigénica.
Os alimentos mais sujeitos a serem contaminados pela produção destas toxinas são aqueles que sofrem alguns tratamentos térmicos com vista à sua conservação. Estão neste caso os alimentos enlatados, em conserva ou fumados, cujos tratamentos térmicos a que são sujeitos não permitem a destruição dos esporos do C. botulinum. Assim, os enlatados de vegetais e conservas de carnes elaborados em casa constituem os produtos alimentares de maior risco para a produção das toxinas botulínicas.
Sintomas
Os principais sintomas caracterizam-se pela perda de visão, dificuldades respiratórias e debilidade. Estes sintomas manifestam-se entre 18 a 36 horas após a ingestão dos alimentos. Note-se que após o aparecimento dos primeiros sintomas poderá surgir a morte dentro de um dia.
Bacillus cereus
Esta espécie apresenta células em forma de bastonetes, móveis, esporulados, Gram positivos e anaeróbios facultativos. Produz tanto uma enterotoxina, como uma exotoxina, dependendo da estirpe. A enterotoxina é de natureza proteica, termolábel, podendo ser destruída a uma temperatura de 60º C durante 20 minutos, enquanto a exotoxina é de natureza peptídica, termorresistente, exigindo para ser destruída uma temperatura de 126º C durante 90 minutos. Os seus habitats preferenciais são o ar, o solo, águas e diferentes alimentos de origem vegetal (cereais), lacticínios e produtos cárneos.
Sintomas
Os principais tipos de sintomas caracterizam-se pelo aparecimento de vômitos, diarréias e dores abdominais. Os sintomas aparecem entre 1 a 5 horas após a ingestão do alimento contaminado.
Staphylococcus aureus
Esta espécie apresenta células de forma esférica, Gram positivos e anaeróbios facultativos. A sua presença nos alimentos pode provir dos próprios manipuladores de alimentos portadores de infecções piogênicas ou de portadores assintomáticos que alojam estas bactérias no nariz, na garganta ou à superfície das mãos. Produz uma exotoxina termorresistente, não afectada pela exposição a uma temperatura de 100º C, durante 30 minutos. Os alimentos mais susceptíveis à produção da toxina estafilocócica são os cremes deficientemente armazenados e refrigerados, carnes preparadas, sanduíches e mesmo leite, se incorretamente refrigerado.
Sintomas
Os principais sintomas caracterizam-se pelo aparecimento de náuseas, vómitos, dores abdominais e diarreia. Aparecem entre 2 a 6 horas após a ingestão do alimento contaminado.
Fonte: http://www.ipv.pt
DVA'S-Doenças Veiculadas pelos Alimentos
Marcadores: Microbiologia, Saúde